Post fornecido por Catarina Vila Pouca.
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Olá! O meu nome é Catarina Vila Pouca e investigo como e por que razão os animais apresentam diferentes comportamentos e formas de aprendizagem. Sempre tive uma paixão por tubarões e pela natação, e por isso, ao longo da minha carreira, foquei-me principalmente em estudar tubarões e peixes. O meu projeto mais recente, desenvolvido em colaboração com colegas e estudantes da Universidade de Wageningen e da Universidade de West Indies, foi descrito num artigo da revista Methods in Ecology and Evolution. Tudo começou com uma pergunta simples, mas sem resposta: Como podemos estudar as capacidades de aprendizagem dos peixes fora do ambiente controlado do laboratório?
Desafios no estudo de cognição em peixes no meio selvagem
Vários estudos documentam que a vida em cativeiro pode afetar o repertório de comportamentos e a cognição (aprendizagem, memória, tomada de decisão) de vários animais, enviesando a nossa compreensão sobre como esses animais aprendem e tomam decisões no seu habitat natural. No entanto, a grande maioria do conhecimento que temos sobre cognição de peixes até hoje (incluindo a minha) baseia-se em estudos laboratoriais com animais em cativeiro. Isto porque é bastante difícil conceber e, mais ainda, realizar experiências com peixes no meio selvagem. Em 2019, ao discutir este desafio com o meu orientador na altura, Alexander Kotrschal, percebemos que era altura de desenvolver um dispositivo que nos permitisse realizar testes de aprendizagem semelhantes aos do laboratório, mas diretamente no campo.
Inspiração e muitos testes!
Levar experiências comportamentais e cognitivas para o meio selvagem não é um desafio exclusivo ao estudo dos peixes. Por isso, começámos por fazer uma revisão da literatura sobre cognição em animais selvagens, para encontrar ideias que pudessem ser adaptadas a peixes e que fossem comparáveis aos testes que já fazíamos em laboratório. Como seria de esperar, testar esses protótipos envolveu muitas tentativas e erros! Inicialmente, experimentei um design baseado em armadilhas de pesca, que normalmente possuem uma pequena entrada em forma de funil, dificultando a saída dos peixes. A ideia era modificar estas armadilhas para encaminhar os peixes para uma câmara de escolha, adicionando uma saída alternativa em funil se escolhessem o lado correto. Embora não tenha sido um fracasso total, estes protótipos tiveram vários problemas: os peixes não gostavam de estar “presos” na câmara de escolha e, quando testamos no meio selvagem, mostravam-se muito relutantes em aproximar-se destas caixas-armadilha. Além disso, este tipo de teste não seria facilmente adaptável a vários domínios cognitivos (como aprendizagem numérica, memória ou resolução de problemas), por isso decidimos criar um novo design.
O design vencedor
A nossa maior fonte de inspiração para o novo design veio do trabalho da Dr. Rachael Shaw com petróica-da-ilha-norte, uma espécie de aves nativa da Nova Zelândia. A Dr. Shaw utilizou um tabuleiro com discos rotativos fixados por um parafuso, que podiam ser girados para revelar um orifício no tabuleiro que escondia uma recompensa. O uso de tabuleiros com discos removíveis já era um método classico no estudo de cognição em laboratório, em peixes como guppies, ciclídeos e peixes-zebra, mas nesses testes laboratoriais os discos estavam soltos. A grande novidade no aparelho da Dr. Shaw foi a adição de um parafuso para prender os discos ao tabuleiro, impedindo que se perdessem no meio selvagem (o que é essencial!). Outra vantagem deste tabuleiro experimental com discos rotativos é que pode ser personalizado e adaptado para diferentes testes de aprendizagem e memória, e também para experiências de procura de alimento social. Variando a cor dos discos ou pintando formas e pontos, podemos avaliar diferentes domínios cognitivos.

Tal como nos estudos com petróicas, as aves da Nova Zelândia, decidimos construir o nosso tabuleiro com vários discos, permitindo recolher mais dados por cada ensaio e minimizando a perturbação das populações de peixes. Depois de alguns testes no laboratório para garantir que a recolha e análise de dados eram viáveis, experimentámo-lo com guppies selvagens em Trinidad e Tobago. Como queríamos analisar não só a aprendizagem, mas também a dinâmica de procura de alimento social, as guppies usadas nos testes foram previamente marcadas individualmente. No artigo, apresentamos resultados interessantes sobre curvas de aprendizagem em grupo e a competência individual para girar os discos, mostrando que algumas guppies são mais preguiçosas e preferem aproveitar-se do esforço dos outros!
O passo final foi adaptar o tabuleiro experimental para diferentes tipos de habitat. Sozinho, pode ser facilmente colocado em riachos ou lagoas pouco profundas, mas queríamos também que fosse acessível para águas mais profundas. Criámos, então, uma estrutura de suporte com uma base pesada e uma parte superior deslizante que contém o tabuleiro e a câmara de vídeo.

Quer usar o nosso tabuleiro experimental? Aqui ficam algumas dicas!
-Encontre o equilíbrio certo para os discos: se estiverem demasiado soltos, podem girar com a corrente; se estiverem muito apertados, os peixes não conseguirão girá-los.
-Aplicar uma fina camada de vaselina nos orifícios do tabuleiro impede que os alimentos de recompensa flutuem.
-Bolhas de ar nos orifícios podem dificultar o movimento dos discos. Para evitar isso, adicione água aos orifícios ao preparar o tabuleiro.
Se tiver perguntas, dúvidas ou simplesmente quiser partilhar as suas próprias aventuras com o tabuleiro experimental, entre em contacto connosco (e envie fotos!).
2 thoughts on “Para além do laboratório: estudar aprendizagem em peixes directamente no meio selvagem”